domingo, 17 de fevereiro de 2008

Culpa


Folheando as páginas frias da seção Dia-a-Dia do jornal capixaba A Gazeta do dia dez de fevereiro, leio uma notícia trágica que mereceu poucas linhas dos editores, mas que me fez pensar por longo tempo sobre várias questões. Sentimentos que virão com o passar do tempo. Quando a dor física não mais existir. Entretanto, devo começar citando o que aconteceu, e com a licença de quem o escreveu, tomarei emprestado algumas partes do texto original, retirados da versão on line do jornal citado no início do texto, cujo título “Irmãos morrem atropelados em Santa Teresa”, conta a seguinte história:

“Três irmãos foram atropelados na manhã deste sábado (09) em Santa Teresa, região de montanhas do Espírito Santo. Dois deles morreram. David, de quatro anos, Aicha, cinco, e Aline, 11, atravessavam a rodovia Armando Martinelli, que liga Santa Teresa ao município de São Roque, quando foram atropelados por um veículo modelo Santana”.

David e Aicha morreram no local do acidente. A irmã mais velha foi socorrida para um hospital da Grande Vitória. De acordo com a Polícia Militar em Santa Teresa, o acidente aconteceu próximo a um ponto de ônibus. As crianças aguardavam uma tia, que estava em Colatina fazendo as compras de material escolar.

Os irmãos atravessaram a via até o ponto, falaram com a mulher e depois fizeram o caminho inverso, para voltar para casa. No momento da travessia houve a colisão. O motorista do Santana parou para prestar socorro, mas as crianças menores não resistiram aos ferimentos".

Imagino, então, após todo sofrimento pela perda. As lamentações dos pais. Da tia que estava presenteando os sobrinhos e os chamou para o local da tragédia. O motorista, que mesmo com todo esforço não conseguiu frear o carro em tempo, e por isso tornou-se, ainda que involuntariamente, um assassino. E da tristeza de todos que mesmo de forma indireta estão ligados às vítimas. Mas dentre todos estes personagens, não consigo ver uma vítima com maiores danos do que a jovem Aline.

Acredito que em sua memória ficará para sempre marcado aqueles minutos horríveis. Quando após receber um presente da tia, vê-se de frente a um carro e não consegue evitar que ele a atropele e também os seus irmãos.

Não posso deixar de pensar o que será daqui para o futuro o sentimento de culpa que recairá sobre essa garota. Pois com onze anos uma pessoa já tem bastante discernimento do que é certo e o que não é. E por isso, imagino que um dia ela pensará o porquê dela não ter tido mais atenção ao atravessar a rua. Pior então será quando for aos quartos dos irmãos e sentir a falta inevitável que farão. Com certeza pensará no que podia ter feito e não fez. Talvez um dia pense por que só ela sobreviveu? Por que teve que atravessar ali e não alguns metros à frente?

Será que um dia Aline precisará pedir desculpas aos pais, pois na condição de irmã mais velha não soube cuidar como deveria dos pequenos. Será que ela poderá tirar em algum momento uma lição positiva dessa história. Enfim, é muito triste só de imaginar o fardo que ela carregará ao longo da vida.

Contudo, com o passar dos dias essa história deixará de ocupar espaço em meus pensamentos. Surgirão fatos tão ou mais comoventes quanto o ocorrido em Santa Teresa. Os canais de informação esquecerão que um dia três crianças foram atropeladas e duas morreram. Mas para Aline restará a tristeza, a depressão e a culpa inevitáveis em acontecimentos como o que passou.

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