domingo, 13 de abril de 2008

Vô, já faz um ano






Passaram-se alguns dias e a vontade de escrever me atormentava como se fosse uma pendência cobrada por alguém muito rigoroso, que não tolera atrasos.

Poderia abordar temas simples. Dar a minha opinião sobre coisas cotidianas. Mas desta vez terei que pensar em um assunto que me emociona. Pois, infelizmente, este que me cobra tanto sou eu mesmo e cada dia que passa me vem novas lembranças e talvez o que não escrevo hoje deixará de ser um simples texto para virar um livro amanhã.

E não que um livro seja uma idéia ruim, já que sempre quando conversávamos ele falava da vontade que tinha de registrar suas experiências. Meu avô queria ditar cada palavra das lições que teve em vida.

O senhor Carlito de Almeida queria expor os seus dias. Que só começavam após longas orações e uma lida na Bíblia. E cada nova leitura, mesmo que pela décima sexta vez, era um conhecimento adquirido e que seria repassado no momento em que subia no altar e falava com os “irmãos”.

Queria tornar público a dureza de cada ano de trabalho pesado na exploração de areia monazítica. Da vida com poucos recursos, mas muita dignidade. Da família. Dos seis filhos. Dos netos (pois eu me incluiria). E principalmente da Igreja.

A intenção do meu avô era distribuir a publicação entre os “irmãos” da Assembléia de Deus em Meaípe, onde era presbítero. Interessava mostrar como a ação de Deus, assim falava, mudou sua vida.

Ele queria servir de exemplo. Acho que incluiria no livro uma passagem sobre como foi difícil assumir uma religião que não a Católica em um tempo em que ser evangélico era o mesmo que ser um herege. Há algumas décadas isto era motivo de discriminação e chacota.

Talvez usasse um capítulo para ensinar como decorar versículo por versículo da Bíblia. Incrível. Era só perguntar: Vô em que parte fica aquela história do filho que foi embora de casa? E ele logo vinha com a resposta e uma explicação sobre o real sentido de tal mensagem. Não tinha erro.

Falaria, certamente, sobre as incursões pelos bairros do interior, lá na roça, para pregar a palavra de Deus, por lugares onde as pessoas que lá moram apenas são lembradas em ano eleitoral. Abriria espaço também para um de seus maiores sonhos, que concretizou antes de partir: a fundação de uma igreja bem perto de casa. Trazendo para congregação as filhas, que hoje a mantém em funcionamento.

O livro deveria conter muitas páginas, já que eram inúmeras histórias. E por isso é que lamento não ter pegado papel e caneta quando ele vinha cheio de idéias. O problema era o tempo. Era tão abundante que sempre podia ser deixado para depois. Parecia que meu avô estaria ali eternamente. Uma espécie de biblioteca, cheia de informações preciosas para os que tentam desbravá-la.

Ainda tinha o fato de usar aquela bengala. Passos lentos. Tornava mais real o fato dele aparentar infinito. Parecia que tinha todo o tempo do mundo. Já que a impossibilidade de dobrar o joelho o obrigava andar lentameennnte. O tempo se arrastava junto com ele. A contagem dos segundos era outra. E muitos não percebiam isto, ironizando o fato de muitas vezes ele sair de casa meia hora antes do ônibus chegar.

Vô Carlito sempre me contou boas histórias. Mas acredito que ficaria a meu cargo relatar os últimos momentos. Dos problemas de coração e pulmão, resultados de anos convivendo com o cigarro. Vício que largou quando mudou de religião. Teria que escrever também sobre os problemas de coluna, herança da MIBRA, empresa em que teve de carregar muitos sacos de areia monazítica nas costas.

Não deixaria de fora o dia que passei com ele no hospital, foi terrível. Doenças e doentes de todos os tipos. Será que alguém consegue sair de lá? Pode ser que fisicamente, mas as memórias de lá são inesquecíveis.

Sem dúvida minhas memórias, que na verdade seriam as dele, viriam carregadas de tristeza e pessimismo. Porém, mesmo tendo que escrever sobre os dias difíceis, já que todos os temos, o livro teria que ser bem positivo. Sem nada a lamentar. Meu avô era do tipo que sempre aproveitava positivamente qualquer fato que acontecia. Sempre ressaltando o lado bom. Pois das muitas lições que me passou uma é a mais presente. Em tudo dai graças ao Senhor.

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