
Foram longas horas de volta. Dona Elza demorou além do normal. Teve que enfrentar um longo engarrafamento na rodovia, devido a um sério acidente envolvendo um ônibus e uma carreta.
Aquela confusão de metal retorcido e pessoas sem vida a fizeram refletir. Pensou na possibilidade de estar lá. Uma das vitimas. Pensou em tudo o que ainda não tinha falado à filha. Quer dizer às filhas.
Imaginou que se estivesse entre as vitimas não precisaria encarar uma possível rejeição. Não precisaria inventar mil desculpas para uma filha que carrega muitas dúvidas.
Mas se animou ao pensar na outra possibilidade. Na do abraço e beijos cheios de afeto. Nas inúmeras lágrimas derramadas. Nas longas horas de conversa, atualizando toda uma vida.
Porém, chegou em casa da mesma forma que saiu. Fisicamente ilesa.
Só que um turbilhão de sentimentos tomavam conta dela. Preocupações futuras. Ora alegria pelo reencontro (ou seria encontro? a filha era uma pessoa desconhecida). Ora tristeza pela rejeição.
Dona Elza pegava o pedaço de papel que continha o endereço da filha e ficava admirando letra por letra. Decorando cada traço da caligrafia da secretária da emissora de rádio. Parecia que estava diante do mapa da cidade onde morava Marlene. Não queria errar nenhuma rua daquela escrita. Tomava aquilo como a última missão de sua vida.
Precisou esperar alguns dias até voltar a capital. Tinha que pôr em dia seus afazeres como dona-de-casa. Também precisava ajudar o marido com os últimos preparativos para colheita que já estava se aproximando. Em nenhum momento deixou de ser dedicada e atenciosa ao marido, submissa às vezes. Como era de costume a todas as mulheres de sua geração.
E então, uma semana depois a mãe parte em busca da filha. Parte com uma sensação parecida com a do momento que se dirigiu ao hospital para dar à luz pela última vez.
Não teve contratempos para chegar a capital. E para garantir que não perderia tempo preferiu ir de táxi. Sabia que o ônibus que passava pela rua onde Marlene morava dava muitas voltas até chegar ao ponto de seu interesse. Seriam minutos que só aumentariam a tensão do momento.
Contando com a eficiência do motorista, demorou pouco tempo até chegar ao destino final. Ao abrir a porta e pagar a despesa da corrida deparou com o momento que mais temia. O momento em que não tinha mais ninguém com que contar.
Ficou ali durante algumas horas até não suportar mais a fome e então recorreu a um barzinho do tipo “copo sujo”. Preferiu aquele, pois dali podia acompanhar perfeitamente a movimentação em frente ao portão de Marlene.
Permaneceu ali por mais tempo do que o planejado. E foi aí que começou a conversar com o dono do estabelecimento. Contou para ele que era uma tia distante de Marlene e queria lhe fazer uma surpresa. Foi então que começou a indagar sobre a vida da filha.
Entre muitas coisas que ouviu, a pior de todas foi saber que a filha só chegava em casa depois das dez horas da noite. Pois saía muito cedo para trabalhar e logo em seguida ia para a escola. Tentando recuperar os anos em que foi tratada como escrava em uma casa onde trabalhava treze horas por dia, restando tempo apenas para dormir e recomeçar tudo de novo.
O comerciante bom de prosa contou detalhes ainda mais íntimos de Marlene. Disse que a moça dava uma pausa a cada três dias no trabalho. Precisava ficar de duas a quatro horas em uma clínica médica especializada em doentes renais. A hemodiálise a deixava exausta para continuar o trabalho. Por isso, já foi demitida duas vezes.
Então naquele momento a mãe tomou uma decisão: não sairia dali sem ver a filha. Dormiria na rua se fosse preciso, mas não tinha mais tempo a perder.
Telefonou para o marido. Contou o que decidiu. E passou a esperar.
Esperou por longas horas. Viu o sol se por. Ouviu o som das novelas começando e terminando. Ouviu o apresentador do telejornal dar boa noite. E quando o sono já a dominava foi alertada pelo proprietário do bar que a moça por quem aguardava estava se aproximando.
Agradeceu. Levantou-se. Caminhou em direção à filha. Conseguia ouvir o tun-tun do coração. Caminhou mais um pouco e não conteve a voz. Gritou o nome da filha.
Levantou o braço para fazer-se notada. O braço que segurava a bolsa. Foi aí que um parênteses se abriu na vida das duas.
Neste exato momento insere-se na vida delas o Rato. Morador daquele bairro. Conhecido por todos pelo seu envolvimento com drogas e pequenos furtos.
Ele alcançou o braço de Dona Elza. Puxou com violência a bolsa. Só não contou com a recusa daquela senhora em largar aquilo que para ele seria moeda de troca para manter o vício.
Puxou novamente e então esboçou uma reação. E diferente das outras vezes, Rato estava de porte de uma arma. Um 38. E mesmo sem saber manuseá-la, disparou. Acertou o lado esquerdo. Pouco abaixo do coração. A mulher caiu e largou a bolsa, que o ladrão prontamente pegou e fugiu.
Aquela confusão de metal retorcido e pessoas sem vida a fizeram refletir. Pensou na possibilidade de estar lá. Uma das vitimas. Pensou em tudo o que ainda não tinha falado à filha. Quer dizer às filhas.
Imaginou que se estivesse entre as vitimas não precisaria encarar uma possível rejeição. Não precisaria inventar mil desculpas para uma filha que carrega muitas dúvidas.
Mas se animou ao pensar na outra possibilidade. Na do abraço e beijos cheios de afeto. Nas inúmeras lágrimas derramadas. Nas longas horas de conversa, atualizando toda uma vida.
Porém, chegou em casa da mesma forma que saiu. Fisicamente ilesa.
Só que um turbilhão de sentimentos tomavam conta dela. Preocupações futuras. Ora alegria pelo reencontro (ou seria encontro? a filha era uma pessoa desconhecida). Ora tristeza pela rejeição.
Dona Elza pegava o pedaço de papel que continha o endereço da filha e ficava admirando letra por letra. Decorando cada traço da caligrafia da secretária da emissora de rádio. Parecia que estava diante do mapa da cidade onde morava Marlene. Não queria errar nenhuma rua daquela escrita. Tomava aquilo como a última missão de sua vida.
Precisou esperar alguns dias até voltar a capital. Tinha que pôr em dia seus afazeres como dona-de-casa. Também precisava ajudar o marido com os últimos preparativos para colheita que já estava se aproximando. Em nenhum momento deixou de ser dedicada e atenciosa ao marido, submissa às vezes. Como era de costume a todas as mulheres de sua geração.
E então, uma semana depois a mãe parte em busca da filha. Parte com uma sensação parecida com a do momento que se dirigiu ao hospital para dar à luz pela última vez.
Não teve contratempos para chegar a capital. E para garantir que não perderia tempo preferiu ir de táxi. Sabia que o ônibus que passava pela rua onde Marlene morava dava muitas voltas até chegar ao ponto de seu interesse. Seriam minutos que só aumentariam a tensão do momento.
Contando com a eficiência do motorista, demorou pouco tempo até chegar ao destino final. Ao abrir a porta e pagar a despesa da corrida deparou com o momento que mais temia. O momento em que não tinha mais ninguém com que contar.
Ficou ali durante algumas horas até não suportar mais a fome e então recorreu a um barzinho do tipo “copo sujo”. Preferiu aquele, pois dali podia acompanhar perfeitamente a movimentação em frente ao portão de Marlene.
Permaneceu ali por mais tempo do que o planejado. E foi aí que começou a conversar com o dono do estabelecimento. Contou para ele que era uma tia distante de Marlene e queria lhe fazer uma surpresa. Foi então que começou a indagar sobre a vida da filha.
Entre muitas coisas que ouviu, a pior de todas foi saber que a filha só chegava em casa depois das dez horas da noite. Pois saía muito cedo para trabalhar e logo em seguida ia para a escola. Tentando recuperar os anos em que foi tratada como escrava em uma casa onde trabalhava treze horas por dia, restando tempo apenas para dormir e recomeçar tudo de novo.
O comerciante bom de prosa contou detalhes ainda mais íntimos de Marlene. Disse que a moça dava uma pausa a cada três dias no trabalho. Precisava ficar de duas a quatro horas em uma clínica médica especializada em doentes renais. A hemodiálise a deixava exausta para continuar o trabalho. Por isso, já foi demitida duas vezes.
Então naquele momento a mãe tomou uma decisão: não sairia dali sem ver a filha. Dormiria na rua se fosse preciso, mas não tinha mais tempo a perder.
Telefonou para o marido. Contou o que decidiu. E passou a esperar.
Esperou por longas horas. Viu o sol se por. Ouviu o som das novelas começando e terminando. Ouviu o apresentador do telejornal dar boa noite. E quando o sono já a dominava foi alertada pelo proprietário do bar que a moça por quem aguardava estava se aproximando.
Agradeceu. Levantou-se. Caminhou em direção à filha. Conseguia ouvir o tun-tun do coração. Caminhou mais um pouco e não conteve a voz. Gritou o nome da filha.
Levantou o braço para fazer-se notada. O braço que segurava a bolsa. Foi aí que um parênteses se abriu na vida das duas.
Neste exato momento insere-se na vida delas o Rato. Morador daquele bairro. Conhecido por todos pelo seu envolvimento com drogas e pequenos furtos.
Ele alcançou o braço de Dona Elza. Puxou com violência a bolsa. Só não contou com a recusa daquela senhora em largar aquilo que para ele seria moeda de troca para manter o vício.
Puxou novamente e então esboçou uma reação. E diferente das outras vezes, Rato estava de porte de uma arma. Um 38. E mesmo sem saber manuseá-la, disparou. Acertou o lado esquerdo. Pouco abaixo do coração. A mulher caiu e largou a bolsa, que o ladrão prontamente pegou e fugiu.
Marlene acompanhou tudo aquilo como quem acompanha a um filme de ação. Num fôlego só. Sem tempo para reflexão.
Correu para socorrer aquela senhora que supostamente a conhecia.
Chamou por socorro. Que não tardou em chegar.
Quis acompanhá-la na ambulância. O enfermeiro disse que só poderia ir quem fosse parente da vitima.
Marlene então disse para quem quisesse ouvir:
- Eu. Sou filha dela...
Não perderam tempo. Embarcaram no veículo e foram na maior velocidade possível ao hospital. Uma equipe médica já aguardava para os primeiros socorros.
Dona Elza perdera muito sangue. Desmaiou.
Marlene tentou em vão informações sobre aquela senhora. Nenhum documento. Tudo foi levado pelo Rato.
Dona Elza começou a se debater. Piscava os olhos de forma descontrolada. E novamente levantou o braço. Como um afogado. Que com a mão fora da água busca alcançar o invisível. Algo que sustente sua fuga.
Marlene segurou com firmeza aquela mão fria e se aproximou daquela senhora.
Dona Elza então não conteve a única palavra que tinha em mente:
- Filha...
- O quê? O quê a senhora disse? Marlene queria ouvir mais. Queria por que acreditou naquela palavra.
- Você é minha filha... Eu não queria... Foi tudo tão difícil... Sou sua Mãe.
Marlene chorou. Abraçou aquela senhora. Beijou. Mas sentiu que a pele estava fria demais.
Surgiram médicos de todo lado. Tentaram reanimar. Usaram os aparelhos mais modernos que dispunham. Mas foi em vão.
Parte da história foi resolvida, pois recuperaram a bolsa com documentos, endereço e telefone do marido da falecida.
Muita comoção.
Hoje Marlene não precisa mais fazer hemodiálise. O rim de Dona Elza era compatível. Tinham o mesmo tipo sanguíneo.
Correu para socorrer aquela senhora que supostamente a conhecia.
Chamou por socorro. Que não tardou em chegar.
Quis acompanhá-la na ambulância. O enfermeiro disse que só poderia ir quem fosse parente da vitima.
Marlene então disse para quem quisesse ouvir:
- Eu. Sou filha dela...
Não perderam tempo. Embarcaram no veículo e foram na maior velocidade possível ao hospital. Uma equipe médica já aguardava para os primeiros socorros.
Dona Elza perdera muito sangue. Desmaiou.
Marlene tentou em vão informações sobre aquela senhora. Nenhum documento. Tudo foi levado pelo Rato.
Dona Elza começou a se debater. Piscava os olhos de forma descontrolada. E novamente levantou o braço. Como um afogado. Que com a mão fora da água busca alcançar o invisível. Algo que sustente sua fuga.
Marlene segurou com firmeza aquela mão fria e se aproximou daquela senhora.
Dona Elza então não conteve a única palavra que tinha em mente:
- Filha...
- O quê? O quê a senhora disse? Marlene queria ouvir mais. Queria por que acreditou naquela palavra.
- Você é minha filha... Eu não queria... Foi tudo tão difícil... Sou sua Mãe.
Marlene chorou. Abraçou aquela senhora. Beijou. Mas sentiu que a pele estava fria demais.
Surgiram médicos de todo lado. Tentaram reanimar. Usaram os aparelhos mais modernos que dispunham. Mas foi em vão.
Parte da história foi resolvida, pois recuperaram a bolsa com documentos, endereço e telefone do marido da falecida.
Muita comoção.
Hoje Marlene não precisa mais fazer hemodiálise. O rim de Dona Elza era compatível. Tinham o mesmo tipo sanguíneo.
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