quinta-feira, 28 de agosto de 2008

João Medroso




João Florentino Mathias da Silva era medroso por vocação. Aprendeu a ter medo muito cedo e descobriu que tomar decisão é uma coisa assustadora.

Tinha medo de perder e por vezes também de ganhar. Ter e ser qualquer coisa já eram motivos para sentir-se preocupado.

Na escola cansou de ouvir apelidos. O “Florentino” e suas derivações, como “Florzinha”, “Dona Flor” eram para ele um dos piores palavrões que já conhecera. Com o avançar do tempo passou a identificar-se como João da Silva. Mas esta questão do nome era coisa simples, foi apenas o primeiro trauma, por isso é que nunca esqueceu.

João era na verdade um colecionador de fobias. Para se ter uma idéia, nunca apostou na Loteria porque achava que se um dia enriquecesse seria alvo fácil para os bandidos e mulheres aproveitadoras. Ele também tinha certeza de que a sorte nunca fora sua companheira, então preferia investir o pouco dinheiro em coisas de maior proveito, como a alimentação. Só que tinha um medo de sofrer uma intoxicação alimentar...

Lia o rótulo de tudo. Só comprava alimentos orgânicos e ainda assim só os ingeria após longo processo de lavagem. Carne só de frango, porque era ele mesmo quem criava.

Mas não pense você que João não se divertia. Ele tinha vários passatempos. Um deles o futebol. Os domingos eram reservados para assistir o máximo de jogos pela televisão. Somente assistir, porque tinha um medo danado de quebrar a perna.

Também tinha o sonho de encontrar o grande amor. Mas o medo de ser traído era maior. E se ela não o traísse viriam os filhos, e com eles despesas, noites acordado, discussões e reuniões nas escolas, e escola para ele não era um bom lugar.

Ele também tinha outros desejos a realizar, mas que não seriam possíveis, como mergulhar: poderia morrer afogado. Comprar um carro: os números de acidentes aumentam a cada dia. Viajar de avião: ontem mesmo caiu um. Ter um cachorro: suja o tapete todo.

Pessoas próximas a ele já recomendaram que procurasse um psicólogo, mas ele insiste em não ir.

- Tenho medo. Podem descobrir meu problema.

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