quarta-feira, 12 de maio de 2010

Minha primeira e última leitora

Nas vinte e quatro horas do meu dia, pelo menos uma delas se passa dentro de um ônibus. Quando não ouço involuntariamente um funk, procuro levar na mochila alguma revista ou livro. Apesar dos médicos não aprovarem esta prática de leitura, prefiro isto a ter que ver todos os dias as mesmas vitrines, prédios e engarrafamentos.


Mas em um dia em especial, não tinha nada guardado para ler. Estava conformado em assistir os minutos se passando enquanto o motorista fazia seu itinerário. Só que uma passageira tirou minha atenção. Não, não foram os atributos físicos. O que me atraiu era o jornal que ela estava lendo. O meu jornal. O jornal em que escrevi uma reportagem sobre futebol e um artigo sobre política.


A minha leitora, sentada no banco da frente, tirou da bolsa as oito páginas de matérias com o papel todo amassado. Em quatro partes ela reduziu todo aquele esforço em levar uma notícia isenta e imparcial. Desamassando lentamente o jornal, ela deixou do melhor modo que facilitasse sua leitura. Olhou a capa, vasculhou as chamadas e investiu no conteúdo do noticiário.


Na página dois ela se deparou com o artigo, mas antes se interessou em ler textos concorrentes. Acho que não gostou muito e mirou os olhos em mim, ou melhor, no meu artigo. “Vitória. Venci. Na página dois sou imbatível,” pensei. Infelizmente, alegria de pobre dura pouco. A moça leu por menos de um minuto o artigo e logo foi para a página três.


A terceira página falava do filme Alice no País da Maravilhas. Isto a interessou. A fez gastar boa parte da viagem. Acho que nem por um segundo ela se arrependeu e quis voltar à folha anterior. Minha primeira leitora e a primeira leitora perdida.


Só que eu ainda tinha uma segunda chance. A matéria sobre futebol. A paixão nacional é imbatível, não tem quem não se interesse por esse esporte com vinte e dois homens correndo durante noventa minutos atrás de uma bola. Mas ela não se interessou.


Dobrou com a menor consideração e piedade as oito páginas. Refez as quatro partes de papel e as guardou na bolsa. Esperou mais alguns minutos e deu sinal. Desceu do ônibus e nunca mais a vi.


Talvez na próxima edição eu a reconquiste. Vou sugerir uma pauta sobre cinema ou moda.

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