
Adriana sempre se achou uma garota de muita sorte. Na época em que fazia o Ensino Fundamental, sempre foi a número um. Para ela, um grande privilégio ser a primeira. Pois, pensava, ninguém sabia quem era o décimo quarto, mas a primeira... Impossível esquecer.
Mas aos onze anos alguma coisa mudou. Ela mudou de escola, de uniforme, de colegas, de professores e de número de chamada. Este último item foi o que a deixou mais assustada, e não era para menos, em sua turma existia uma garota chamada Abigail. Nunca se acostumou a ser a segunda.
O mais intrigante foi que a partir deste fato, Drica, como era conhecida, teve que conviver com situações que não aconteciam do jeito que ela esperava. Explicando melhor, Adriana teve que se contentar com a segunda opção, às vezes até com a terceira. Por exemplo, ela adorava comprar no recreio empada de frango, mas sua mãe a convencia a levar bolo de laranja. “Era mais nutritivo”. A verdade é que as finanças da família iam de mal a pior.
Aconteceram outras coisinhas, como dizia ela. Nada importante. Mas que punham sua sorte à prova. E o destino, ou sei lá o quê, continuaram pregando peças em sua vida.
No vestibular, aos dezessete anos, tentou o curso de Direito, seu sonho. Porém não passou da primeira fase. Tentou, então, no ano seguinte, Serviço Social. Era menos concorrido. E enfim, entrou na universidade.
Lá conheceu pessoas novas. Assuntos diferentes, emoções diferentes. Foi lá que conheceu o Davi. Líder estudantil. Tocava numa banda. O preferido das garotas. Só que o carinha nem a olhava. E Adriana que era morena, passou a achar que Davi gostava das loiras. Ou nem de uma coisa nem outra. Então ela passou a investir nos intelectuais. Tinham mais futuro, pensou.
Foi nesta busca por um amor com, digamos, mais conteúdo e menos aparência, que Drica conheceu Valdir. Gordinho, moreno e com início de calvície, mas muito simpático e bem humorado. O namoro deles ultrapassou os muros da universidade e eles foram morar juntos. Resolveram casar depois de formados e empregados.
Valdir, inteligente que era continuou no ramo acadêmico. Já que foi aprovado para cursar o mestrado e logo conseguiu uma vaga para lecionar. Porém Adriana queria trabalhar como assistente social para a prefeitura, mas só conseguiu, após alguns meses ocupação, um emprego no setor social de uma penitenciária. Era um trabalho recompensador, justificava.
Casaram-se então. Ela queria casar na praia, numa festa com poucos amigos. Só que ele conseguiu boas doações. Comida, bebida, decoração e o lugar da festa: o sítio do avô dele. Adriana tentou argumentar, mas a possibilidade de fazer uma festa a custo zero a convenceu.
Ela já tinha compreendido que às vezes, ou quase sempre, as coisas não aconteciam e quase não acontecem como a gente planeja. São poucos os escolhidos para realizarem todas as metas, todos os sonhos. Talvez para serem invejados ou admirados pela maioria dos mortais. Mas Adriana tinha a certeza de que a não realização de sonhos, por si só, não era capaz de fazer a pessoa descrer da vida. De achar que nada vai dar certo. Drica tinha novos sonhos a cada dia. Engravidar era um deles.
E como se a sorte estivesse lhe sorrindo, dois anos após o casamento, nasceu o filho deles. Em sua cabeça o nome já estava decidido: Rafael. Mas apelando para o lado sentimental, Valdir a convenceu a usar o nome de seu avô: Pedro Luiz.
Pedrinho foi crescendo e se revelando uma pessoa com talento para criar problemas. Fez sempre o contrário das vontades de sua mãe. Largou a escola aos dezesseis para trabalhar. Tornou-se garçom. Profissão nada próximo à medicina. Foi morar em uma pensão aos dezoito. Queria independência. Um ano mais tarde, em um namoro de poucas semanas engravidou uma garota totalmente diferente da nora de seus sonhos. A “gata” de Pedrinho era, nas palavras de Dona Drica, meio “avoada”. Achava poder manter a vida que tinha antes de ser mãe. Festas, bebidas e noites mal dormidas. A futura avó ganhava uma nova leva de cabelos brancos a cada dia.
Meses depois e é chegada a hora de nascer o netinho de vovó Drica. Quer dizer, os netinhos. Isto mesmo, gêmeos. Um menino e uma menina. A avó nunca quis saber dos exames pré-natais, pela surpresa e para não frustrar nenhuma expectativa.
E todos foram morar na casa da avó, já que na pensão era impossível. A família aumentou para seis membros. Só que Adriana aprendeu que tudo que acontece na vida, mesmo o que a gente não gostaria que acontecesse, tem lá seu lado bom. Adriana perdeu espaço na casa. Perdeu noites de sono. Perdeu a organização e o silêncio nas horas das refeições. Mas ganhou o prazer de ver uma, quer dizer, duas novas vidas crescerem. Aprenderem a enfrentar o mundo. Eles dão muito trabalho.
E o que é pior, choram tanto.
Um comentário:
O dia que você escrever um livro serei a primeira a comprar ta? heheheh
Mais uma vez show de bola seu texto!!!!!!!!
Bjus!
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